Uma mulher que olha para a vida com um olhar feminino não se sente acolhida no ambiente de trabalho. Dentre as características que definem os aspectos femininos estão a criatividade, a intuição, o humor cíclico e a maneira de apreender o mundo através da experiência, experiência que vem da abertura, de se deixar ser vulnerável.
O feminino é apaixonado, devoto, voltado para o que é interno. Seu foco é difuso; somos mais sonhadoras. Somos leais à sociedade e à família em primeiro lugar. O feminino é silêncio, preza pela beleza e harmonia, descansa em si mesmo. O masculino está em busca de melhoria constante; seu modo de vida está ligado à ação, seu fazer vem antes do sentir, ao contrário do feminino. O feminino é acolhimento profundo.
A ideia de um feminino que necessita suavizar o ritmo da vida, ouvir o vento sussurrar palavras de sabedoria, fluir com o ciclo da lua, praticar a paciência e abrir espaço em sua agenda para ouvir as dores dos colegas de trabalho no meio do expediente não faz sentido no mundo corporativo. Onde a ideia de tempo quantificado ao limite está intrinsecamente ligada à eficiência. Ser um bom colaborador é utilizar todo seu tempo, sem respiro, sem silêncio, sem paciência para ouvir ou ensinar - Pronto, aprenda sozinho, as ferramentas estão aí!
Em seu livro "La Violencia de los Símbolos Sociales", Harry Pross nos lembra que o calendário é um símbolo social e que, como tal, carrega em si valores - "Los símbolos son signos que indican valores. Nunca están solos, sino dentro de determinados órdenes." (p. 74, 1989).
Os valores, implementados pelo calendário na pós-modernidade, nos impõem um ritmo de vida equalizado com a massa, onde toda uma rede de rituais sociais mantém os homens em uma coesão social da qual não há como escapar: a semana de sete dias e a semana de trabalho, o tempo de descanso e de férias. Existe aí uma imposição a ritmos comuns irreais, em especial para mulheres. Além disso, hoje é imperativo estar no rito de trabalho.
Para existir, precisamos estar neste ambiente. O cuidar, o ouvir, o criar não nos torna válidas. Ora, se precisamos validar nossa existência através do trabalho, as questões que não são pertinentes a esse espaço são desprezíveis. Se o ambiente de trabalho valoriza os valores patriarcais masculinos, como podemos nos sentir confortáveis nesse espaço?
Além da questão espacial, a dúvida persiste: como gerir um tempo que não condiz com nossa biologia? Mulheres vivem de ciclos; na Lua Nova, plantam suas intenções para os próximos dias; gestam-se as sementes. Na lua crescente, florescem, entram em ação, executam seus planos. Na lua cheia, celebram, desfrutam do que executaram. Já a lua minguante é o momento da revisão e de fazer novas escolhas para iniciar o novo ciclo.
Todo esse conhecimento ancestral que rege o feminino tem sido esquecido. Esse apagamento nos leva cada dia mais à depressão e ao sentimento de não pertencimento.
Maureen Murdock, em seu livro "A Jornada da Heroína", nos coloca frente a frente com o arquétipo da mulher moderna. Esta muitas vezes passa por um período de rejeição de todas as qualidades femininas, distorcidas pela lente cultural como inferiores, passivas, dependentes, sedutoras, manipuladoras e impotentes (p. 34, 2022).
Uma de suas pacientes, que buscou estudar matemática avançada por ser, em seu entendimento, uma profissão que as “meninas” não se interessavam, ao perceber que não tinha aptidão para a área, teve o seguinte pensamento: “É isso aí, agora vou acabar como uma mulher.” (p. 36, 2022).
Fica aberta a questão: quando poderemos usar nossos vestidos longos e coloridos no ambiente de trabalho sem que eles fiquem presos embaixo das rodinhas das cadeiras nas quais estamos sentadas?
Bibliografia
SOLAR, Suryavan. Kin Forest: Manual de chamanismo Moderno. Santiago: Condor Blanco Ediciones. 2012.
MURDOCK, Maureen. A Jornada da Heroína: A busca da mulher para se reconectar com o feminino. Sextante, 2022.
PROSS, H. La Violencia de los Simbolos Sociales. Barcelona: Anthropos, 1989.
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